quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Bordeaux - O melhor vinho do mundo. Parte II



A complicada legislação vinícola francesa

Entender a legislação francesa que tem como finalidade mostrar a qualidade dos vinhos não é uma tarefa fácil. Para complicar, cada região vinícola tem a sua classificação própria. De uma maneira geral, quanto mais genérico for o vinho, pior será sua qualidade.

O vinho mais básico da França é vin de table (vinho de mesa). Corresponde a mais de 50% dos vinhos produzidos na França. Esta denominação não mostra no rótulo a região de origem do vinho, nem o vinhedo em que foi produzido. Felizmente são raros em Bordeaux.

O segundo vinho mais genérico é o vin de pays (vinhos regionais). Também têm pouca qualidade, mas já mostra onde ele foi produzido.

O terceiro patamar é o VDQS (vin de qualité supérieur), mas não se iluda, pois em geral, os vinhos desta categoria também são ruins. Mas é preciso conhecê-los para não cair na armadilha da classificação, pois convenhamos, o nome é pomposo!



Passemos aos vinhos de maior qualidade, o que nos interessa. Todos eles terão no rótulo a chamada “apelação de origem controlada” (AOC: appellation d’origine contrôlée). Desta forma, os vinhos oriundos de Bordeaux terão no rótulo: AOC Bordeaux ou “Appellation Bordeaux Contrôlée”. Veja imagem anterior. Em Bordeaux, existe uma categoria uma pouco acima desta, que é a Bordeaux Supérieur. Aqui começa o problema. Centenas de produtores usam estas duas denominações, AOC Bordeaux ou AOC Bordeaux Supérieur, e a qualidade dos vinhos é extremamente heterogênea, existindo uma grande oscilação entre eles.



Uma nota lamentável: os famosos vinhos de Bordeaux representam apenas uma pequena fração de todos os vinhos produzidos na região de Bordeaux.

Como veremos no próximo item, a região vinícola de Bordeaux é dividida em sub-regiões, como a sub-região de Médoc, já citada. Quanto mais restrita for a apelação de origem, melhor tenderá a ser a qualidade do vinho.  Assim, a AOC Médoc tende a ser melhor que a AOC Bordeaux. Por sua vez, o Médoc é subdividido em outras regiões menores.



Não desista. No começo tudo é muito complexo, mas depois acostumamos com as siglas. Vou dar uma pausa na classificação e deixar a legislação específica de Bordeaux um pouco mais para frente. Um breve descanso. Depois de entendermos as sub-regiões e as cepas, voltaremos ao assunto.

As regiões de Bordeaux

Antes de tudo, é preciso ter mente a disposição dos três rios. Veja a foto seguinte do Google Earth. Eles são as referências da região. Posto isso, vamos ao combate:



Médoc e Haut-Médoc

A principal região vinícola de Bordeaux é o Médoc. Uma faixa relativamente estreita de terras, à margem esquerda do grande rio, o Gironde, numa extensão de aproximadamente 80 km, no sentido norte-sul. Ela começa ao norte, junto ao estuário do rio Gironde e termina ao norte da cidade de Bordeaux. Por sua vez, o Médoc é dividido em duas regiões: o Médoc, terço superior ao norte (antigamente denominado de Bas-Médoc), e o Haut-Médoc, ao sul. Mais uma confusão “bordalesa”, dois nomes iguais para regiões distintas. Veja no mapa. 



* Haut-Médoc significa “Alto Médoc”, aspecto relacionado à altitude em comparação ao Bas-Médoc,“Baixo Médoc” ao norte.

O Haut-Médoc, a melhor e mais nobre região de Bordeaux, é dividido em quatro sub-regiões: Saint-Estèphe, Pauillac, Saint-Julien e Margaux, do norte para o sul. Guarde bem estes nomes, pois aqui você terá os melhores vinhos de Bordeaux, mas não todos. Lembre-se que as regiões ficam às margens do rio Gironde – à esquerda!

Entre a sub-região de Margaux, que fica ao norte da cidade de Bordeaux, e a região de Saint Julien, temos duas sub-regiões interessantes: Listrac e, principalmente, Moulis. Ambas são um pouco afastadas das margens do rio Gironde, porém podem produzir bons vinhos e de melhor custo-benefício. Veja no mapa. Por vezes esta região, entre Margaux e Saint Julien, é denominada nos textos de “Médoc Central”.





O Médoc propriamente dito, ou seja, a parte norte (Bas-Médoc), não tem subdivisão, e os vinhos produzidos ali têm menor qualidade.

A maior parte dos vinhos produzidos no Médoc e em Haut-Médoc é de vinhos tintos.

Graves

Situada ao sul da cidade de Bordeaux e às margens do rio Garonne, afluente do Gironde. É uma região muito importante. Alguns vinhos excepcionais de Bordeaux são produzidos ali, como o notório Château Haut-Brion.

Na região de Graves, a proporção entre a produção de vinhos tintos e brancos é semelhante, o que difere de todas as outras regiões de Bordeaux.

Graves, recebe este nome em referência ao solo muito pedregoso da região, legado das geleiras da Idade do Gelo. Há ainda no solo, a presença de minúsculas pedras brancas de quartzo, também oriundo da mesma época.

Para complicar um pouco, é preciso citar que existe uma destacada sub-região em Graves, denominada de Pessac-Léognan, onde são produzidos os melhores vinhos da região, incluindo o famoso Château Haut-Brion (premier cru).



Terminamos aqui a margem esquerda de Bordeaux. Passemos então à margem direita.

Na verdade, as melhores sub-regiões de Bordeaux à direita ficam na margem direita do rio Dordogne, já que na margem direita do rio Gironde, não existe uma sub-região de destaque. Aqui temos duas sub-regiões importantíssimas: Saint- Émilion e Pomerol.



Saint-Émilion

Para mim, o maior destaque da região é a pequena cidade de mesmo nome. Uma pequena vila medieval impecável, charmosa e atraente. Aqui, respiramos vinhos e vinhas o tempo todo. Um passeio imperdível (em breve comentarei um pouco mais sobre a cidade). Nas suas redondezas temos os vinhedos de Saint-Émilion. A região vinícola em si é relativamente grande, e a qualidade dos vinhos é muito heterogênea, o que é um problema. Alguns vinhos produzidos aqui estão entre os melhores da região de Bordeaux. Os vinhos tintos são o destaque da região. Cito cinco Châteaux de renome: Ausone, Pavie, Figeac, Angelus e o mítico Cheval Blanc.

Pomerol

Esta pequena região vinícola de Bordeaux está situada junto à cidade de Saint-Émilion, ao norte. Não há uma divisão clara entre as regiões. Tudo é muito próximo. O destaque aqui é o todo poderoso Château Petrus. Não pelo Château em si, que é muito modesto em comparação aos grandes Châteaux da margem esquerda, mas sim pelo vinho, que é um dos melhores e mais disputados do mundo, e por isso, muito caro. Dois outros vinhos são destaque em Pomerol: o Trotanoy e o Le Pin.

Para finalizar as sub-regiões de Bordeaux, preciso citar a famosa região de Sauternes. Ela fica um pouco mais sul de Graves, ao longo do rio Garonne, e produz o melhor vinho doce do mundo. A produção é quase exclusiva de vinhos brancos doces. Destaque para o famoso Château d’Yquem.

É bom relembrar que a região de Entre- Deux-Mers fica entre os rios menores, o Garonne e o Dordogne. Os vinhos produzidos lá tem menor qualidade, comparados ao Médoc. Destaque para os vinhos brancos desta sub-região de Bordeaux. Porém, aproveito a oportunidade para citar um bom vinho tinto desta sub-região, o Château Carignan, e que tem ótimo custo-benefício.

Existem várias outras sub-regiões, mas de menor importância.

As uvas de Bordeaux



Para a produção dos vinhos tintos, destacamos a cabernet sauvignon, a merlot e a cabernet franc. A petit verdot e a malbec (a mesma cepa plantada na Argentina) desempenham um papel de menor importância.

Para os vinhos brancos as cepas mais importantes são a sauvignon blanc e a sémillon. Esta última é considerada a alma dos vinhos brancos de Bordeaux, conferindo ao vinho uma textura cremosa e um aroma de mel.

Todas estas uvas, brancas e tintas, têm origem na França.

Como já comentado, em Bordeaux, para a produção dos vinhos tintos, sempre temos uma mistura das uvas, em proporções diferentes, com o intuito de maximixar o sabor e corrigir os defeitos de cada cepa.



O chamado corte bordalês é composto de cabernet sauvignon, merlot e cabernet franc. É bom relembrar que em Bordeaux é muito rara a produção de vinhos varietais (de uma uva só), como no Chile.

A cabernet sauvignon dá a estrutura ao vinho, o tanino, enquanto a merlot oferece a fruta, pois ela é mais carnuda e redonda. A cabernet franc traz o aroma. A longevidade dos vinhos de Bordeaux está muito relacionada ao tanino presente na cepa cabernet sauvignon.
No rótulo das garrafas de Bordeaux não temos a indicação da uva, nem a composição das cepas. A presença de cada cepa está subentendida nas diversas regiões de Bordeaux.

Na margem esquerda, no Médoc, a uva preponderante é a cabernet sauvignon (em geral, 40 a 50%). Isto é explicado pela melhor adaptação da cepa ao solo, que tem muito cascalho e boa drenagem, e também ao clima, pela maior exposição solar – aqui os terrenos são planos.

Na região de Graves, ao sul da cidade de Bordeaux, o predomínio de cabernet sauvignon também prevalece, porém em menor grau que no Médoc.

Nas regiões de Pomerol e Saint-Émilion, a uva preponderante é a Merlot, seguida da Cabernet Franc e, em menor quantidade, a cabernet sauvignon. Aqui o solo é um pouco mais argiloso, o que dificulta a drenagem da terra, e o clima é mais ameno, limitando o amadurecimento da cepa cabernet sauvignon, que é mais tardio.

Você pode estar se perguntado sobre a importância dos rios que cortam a região? Basta compreender um velho ditado de Bordeaux: “os melhores vinhedos podem ver o rio”.


Outra curiosidade: apesar da cepa cabernet franc ser minoritária nos cortes bordaleses, o famoso vinho Cheval Blanc, em Saint-Émilion, é composto por cerca de 70% de cabernet franc. Esta cepa também tem muita importância no Vale do Loire, outra importante região vinícola francesa.

MJR

Em breve a Parte III.

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