A complicada
legislação vinícola francesa
Entender a legislação francesa que tem como finalidade
mostrar a qualidade dos vinhos não é uma tarefa fácil. Para complicar, cada
região vinícola tem a sua classificação própria. De uma maneira geral, quanto
mais genérico for o vinho, pior será sua qualidade.
O vinho mais básico da França é vin de table (vinho de mesa). Corresponde a mais de 50% dos vinhos
produzidos na França. Esta denominação não mostra no rótulo a região de origem
do vinho, nem o vinhedo em que foi produzido. Felizmente são raros em Bordeaux.
O segundo vinho mais genérico é o vin de pays (vinhos regionais). Também têm pouca qualidade, mas já
mostra onde ele foi produzido.
O terceiro patamar é o VDQS (vin de qualité supérieur), mas não se iluda, pois em geral, os
vinhos desta categoria também são ruins. Mas é preciso conhecê-los para não
cair na armadilha da classificação, pois convenhamos, o nome é pomposo!
Passemos aos vinhos de maior qualidade, o que nos interessa.
Todos eles terão no rótulo a chamada “apelação de origem controlada” (AOC: appellation d’origine contrôlée).
Desta forma, os vinhos oriundos de Bordeaux terão no rótulo: AOC Bordeaux ou “Appellation Bordeaux Contrôlée”. Veja imagem anterior. Em Bordeaux, existe uma categoria
uma pouco acima desta, que é a Bordeaux
Supérieur. Aqui começa o problema. Centenas de produtores usam estas duas
denominações, AOC Bordeaux ou AOC Bordeaux
Supérieur, e a qualidade dos vinhos é extremamente heterogênea, existindo
uma grande oscilação entre eles.
Uma nota lamentável: os famosos vinhos de Bordeaux representam
apenas uma pequena fração de todos os vinhos produzidos na região de Bordeaux.
Como veremos no próximo item, a região vinícola de Bordeaux
é dividida em sub-regiões, como a sub-região de Médoc, já citada. Quanto mais
restrita for a apelação de origem, melhor tenderá a ser a qualidade do
vinho. Assim, a AOC Médoc tende a ser melhor que a AOC Bordeaux. Por sua vez, o Médoc é subdividido em outras regiões
menores.
Não desista. No começo tudo é muito complexo, mas depois
acostumamos com as siglas. Vou dar uma pausa na classificação e deixar a
legislação específica de Bordeaux um pouco mais para frente. Um breve descanso.
Depois de entendermos as sub-regiões e as cepas, voltaremos ao assunto.
As regiões de
Bordeaux
Antes de tudo, é preciso ter mente a disposição dos três
rios. Veja a foto seguinte do Google Earth. Eles são as referências da região. Posto isso, vamos
ao combate:
Médoc e Haut-Médoc
A principal região vinícola de Bordeaux é o Médoc. Uma faixa relativamente estreita
de terras, à margem esquerda do grande rio, o Gironde, numa extensão de aproximadamente
80 km, no sentido norte-sul. Ela começa ao norte, junto ao estuário do rio Gironde
e termina ao norte da cidade de Bordeaux. Por sua vez, o Médoc é dividido em
duas regiões: o Médoc, terço superior ao norte (antigamente denominado de
Bas-Médoc), e o Haut-Médoc, ao sul. Mais uma confusão “bordalesa”, dois nomes
iguais para regiões distintas. Veja no mapa.
* Haut-Médoc significa “Alto
Médoc”, aspecto relacionado à altitude em comparação ao Bas-Médoc,“Baixo Médoc”
ao norte.
O Haut-Médoc, a
melhor e mais nobre região de Bordeaux, é dividido em quatro sub-regiões: Saint-Estèphe, Pauillac, Saint-Julien e
Margaux, do norte para o sul. Guarde bem estes nomes, pois aqui você terá
os melhores vinhos de Bordeaux, mas não todos. Lembre-se que as regiões ficam
às margens do rio Gironde – à esquerda!
Entre a sub-região de Margaux, que fica ao norte da cidade
de Bordeaux, e a região de Saint Julien, temos duas sub-regiões interessantes: Listrac e, principalmente, Moulis. Ambas são um pouco afastadas
das margens do rio Gironde, porém podem produzir bons vinhos e de melhor custo-benefício.
Veja no mapa. Por vezes esta região, entre Margaux e Saint Julien, é denominada
nos textos de “Médoc Central”.
O Médoc propriamente dito, ou seja, a parte norte
(Bas-Médoc), não tem subdivisão, e os vinhos produzidos ali têm menor
qualidade.
A maior parte dos vinhos produzidos no Médoc e em Haut-Médoc
é de vinhos tintos.
Graves
Situada ao sul da cidade de Bordeaux e às margens do rio
Garonne, afluente do Gironde. É uma região muito importante. Alguns vinhos
excepcionais de Bordeaux são produzidos ali, como o notório Château Haut-Brion.
Na região de Graves, a proporção entre a produção de vinhos
tintos e brancos é semelhante, o que difere de todas as outras regiões de
Bordeaux.
Graves, recebe
este nome em referência ao solo muito pedregoso da região, legado das geleiras
da Idade do Gelo. Há ainda no solo, a presença de minúsculas pedras brancas de
quartzo, também oriundo da mesma época.
Para complicar um pouco, é preciso citar que existe uma destacada
sub-região em Graves, denominada de Pessac-Léognan,
onde são produzidos os melhores vinhos da região, incluindo o famoso Château Haut-Brion (premier cru).
Terminamos aqui a margem esquerda de Bordeaux. Passemos
então à margem direita.
Na verdade, as melhores sub-regiões de Bordeaux à direita ficam
na margem direita do rio Dordogne, já que na margem direita do rio Gironde, não
existe uma sub-região de destaque. Aqui temos duas sub-regiões
importantíssimas: Saint- Émilion e Pomerol.
Saint-Émilion
Para mim, o maior destaque da região é a pequena cidade de
mesmo nome. Uma pequena vila medieval impecável, charmosa e atraente. Aqui,
respiramos vinhos e vinhas o tempo todo. Um passeio imperdível (em breve
comentarei um pouco mais sobre a cidade). Nas suas redondezas temos os vinhedos
de Saint-Émilion. A região vinícola em si é relativamente grande, e a qualidade
dos vinhos é muito heterogênea, o que é um problema. Alguns vinhos produzidos
aqui estão entre os melhores da região de Bordeaux. Os vinhos tintos são o
destaque da região. Cito cinco Châteaux de renome: Ausone, Pavie, Figeac, Angelus e o mítico Cheval Blanc.
Pomerol
Esta pequena região vinícola de Bordeaux está situada junto
à cidade de Saint-Émilion, ao norte. Não há uma divisão clara entre as regiões.
Tudo é muito próximo. O destaque aqui é o todo poderoso Château Petrus. Não pelo Château em si, que é muito modesto em
comparação aos grandes Châteaux da margem esquerda, mas sim pelo vinho, que é um
dos melhores e mais disputados do mundo, e por isso, muito caro. Dois outros
vinhos são destaque em Pomerol: o Trotanoy
e o Le Pin.
Para finalizar as sub-regiões de Bordeaux, preciso citar a
famosa região de Sauternes. Ela fica
um pouco mais sul de Graves, ao longo do rio Garonne, e produz o melhor vinho
doce do mundo. A produção é quase exclusiva de vinhos brancos doces. Destaque
para o famoso Château d’Yquem.
É bom relembrar que a região de Entre- Deux-Mers fica entre os rios menores, o Garonne e o Dordogne.
Os vinhos produzidos lá tem menor qualidade, comparados ao Médoc. Destaque para
os vinhos brancos desta sub-região de Bordeaux. Porém, aproveito a oportunidade
para citar um bom vinho tinto desta sub-região, o Château Carignan, e que tem ótimo custo-benefício.
Existem várias outras sub-regiões, mas de menor importância.
As uvas de Bordeaux
Para a produção dos vinhos tintos, destacamos a cabernet sauvignon,
a merlot e a cabernet franc. A petit verdot e a malbec (a mesma cepa plantada na
Argentina) desempenham um papel de menor importância.
Para os vinhos brancos as cepas mais importantes são a sauvignon
blanc e a sémillon. Esta última é considerada a alma dos vinhos brancos de
Bordeaux, conferindo ao vinho uma textura cremosa e um aroma de mel.
Todas estas uvas, brancas e tintas, têm origem na França.
Como já comentado, em Bordeaux, para a produção dos vinhos
tintos, sempre temos uma mistura das uvas, em proporções diferentes, com o intuito
de maximixar o sabor e corrigir os defeitos de cada cepa.
O chamado corte
bordalês é composto de cabernet sauvignon, merlot e cabernet franc. É bom
relembrar que em Bordeaux é muito rara a produção de vinhos varietais (de uma
uva só), como no Chile.
A cabernet sauvignon dá a estrutura ao vinho, o tanino,
enquanto a merlot oferece a fruta, pois ela é mais carnuda e redonda. A
cabernet franc traz o aroma. A longevidade dos vinhos de Bordeaux está muito relacionada
ao tanino presente na cepa cabernet sauvignon.
No rótulo das garrafas de Bordeaux não temos a indicação da
uva, nem a composição das cepas. A presença de cada cepa está subentendida nas
diversas regiões de Bordeaux.
Na margem esquerda, no Médoc, a uva preponderante é a cabernet sauvignon (em geral, 40 a 50%). Isto é explicado pela melhor adaptação da cepa ao solo, que tem muito cascalho e boa drenagem, e também ao clima, pela maior exposição solar – aqui os terrenos são planos.
Na margem esquerda, no Médoc, a uva preponderante é a cabernet sauvignon (em geral, 40 a 50%). Isto é explicado pela melhor adaptação da cepa ao solo, que tem muito cascalho e boa drenagem, e também ao clima, pela maior exposição solar – aqui os terrenos são planos.
Na região de Graves, ao sul da cidade de Bordeaux, o
predomínio de cabernet sauvignon também prevalece, porém em menor grau que no
Médoc.
Nas regiões de Pomerol e Saint-Émilion, a uva preponderante
é a Merlot, seguida da Cabernet Franc e, em menor quantidade, a cabernet sauvignon.
Aqui o solo é um pouco mais argiloso, o que dificulta a drenagem da terra, e o
clima é mais ameno, limitando o amadurecimento da cepa cabernet sauvignon, que
é mais tardio.
Você pode estar se perguntado sobre a importância dos rios
que cortam a região? Basta compreender um velho ditado de Bordeaux: “os melhores vinhedos podem ver o rio”.
Outra curiosidade: apesar da cepa cabernet franc ser
minoritária nos cortes bordaleses, o famoso vinho Cheval Blanc, em Saint-Émilion, é composto por cerca de 70% de
cabernet franc. Esta cepa também tem muita importância no Vale do Loire, outra importante
região vinícola francesa.
MJR
Em breve a Parte III.
Em breve a Parte III.
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