O título pode até parecer exagerado e presunçoso, mas em
minha opinião e na de muitos outros enófilos (e enólogos respeitados) esta é
uma afirmação consistente, sem muita dúvida. Um verdadeiro consenso! Durante
muitos anos refleti e duvidei desta premissa, mas atualmente não tenho a menor
dúvida. Talvez a maior prova seja que respeitados produtores mundo afora tentam,
sistematicamente, “imitar” o padrão bordalês.
Vários produtores, como na Califórnia, Chile, Espanha e Itália, dentre
outros, tentam reproduzir este vinho, alguns com sucesso, outros nem tanto. O
motivo principal desta dificuldade é o terroir.
Não existe uma tradução literal desta palavra de origem francesa para o
português, que, em suma, quer dizer a interação das características do solo, do
clima e da exposição solar com a cepa ali plantada.
Um fator que distancia os vinhos produzidos em Bordeaux dos
amantes do vinho é o preço, especialmente aqui no Brasil. Uma garrafa simples
pode custar muito caro. Os vinhos que são ofertados em supermercados são “refugos”
e de péssima qualidade. Assim, é comum ouvirmos: “prefiro os vinhos da América
do Sul, pois eles são mais encorpados e frutados”. E comparando vinhos da mesma
faixa de preço, essa afirmativa é correta. Os vinhos de Bordeaux negociados
aqui no Brasil por menos de 100 reais a garrafa, usualmente são horrorosos,
magros, ácidos e sem graça. Os motivos principais do preço alto é a alta carga
tributária brasileira, o preço do frete e a majoração feita pelos
intermediários, importadores e varejistas. Como os vinhos do Chile e da
Argentina chegam ao Brasil praticamente sem impostos (isenção ao Mercosul), usualmente eles são bem mais
baratos. Costumo dizer aos meus amigos que pretendem visitar a França, que lá um
Bordeaux acima de 20 euros usualmente tem ótima qualidade (pouco mais de 70
reais), mais aqui, no Brasil, esqueça. Se você não pretende pagar um pouco mais
por uma garrafa, continue degustando os vinhos dos nossos hermanos.
A ideia de escrever sobre os vinhos de Bordeaux surgiu a
partir da minha paixão pela França, da minha preferência por este mítico vinho
e dos meus constantes estudos sobre a região. Mas o intuito principal é apresentar
a região para aqueles que não conhecem ou ainda carregam algum preconceito
sobre o vinho. Pretendo apresentar ao leitor do blog um texto simples e de
fácil compreensão, e que realmente possa ser útil na compreensão do assunto e nas
futuras degustações.
Não tenho a pretensão de esgotar o tema e nem comentar pormenorizadamente sobre todos os vinhos produzidos ali, mesmo porque não tenho esta competência. A ideia é dar ao leitor um “norte”, indicando os primeiros passos sobre esta fantástica região no sudoeste da França. Vou comentar os seguintes aspectos: a localização; um pouco da história; a complicada legislação francesa; as sub-regiões de Bordeaux; as cepas típicas e o corte bordalês; a classificação de 1855; a importância das safras; as principais cidades da região; os principais produtores e castelos (châteaux); o que visitar na região e como adquirir um bom vinho de Bordeaux. Espero que o conteúdo seja útil para os amantes do vinho!
A Localização.
A “região” de Bordeaux está situada no sudoeste da França,
na região administrativa da Aquitânia. As terras estão às margens do imenso rio
Gironde (e de seus afluentes), um pouco antes de seu estuário no mediterrâneo.
Veja no mapa. Bordeaux é a principal cidade da região, e a mais populosa também.
Um primeiro conceito importante: a região vinícola de Bordeaux
é dividida em margem esquerda e margem direita. Os solos, o clima e os vinhos
são muito distintos, como comentarei em breve.
O rio Gironde é formado pela confluência de dois rios vindos
do sul, o Garonne e o Dordogne, o primeiro mais próximo do mediterrâneo e o
segundo mais interiorano. Os três rios formam um “Y” invertido. Assim temos a
margem esquerda, a margem direita, e uma terceira região situada entre os dois
rios afluentes, denominada pelos franceses de “entre deux-mers” (entre
dois mares numa tradução literal – esta terceira região é menos famosa e
importante).
A cidade de Bordeaux fica predominantemente na margem
esquerda do rio Garonne, antes de sua união com o rio Dordogne.
A região mais famosa e nobre de Bordeaux, o Médoc, situa-se na margem esquerda do
grande rio, o Gironde, logo ao norte da cidade de Bordeaux, antes do estuário
deste rio. A produção vinícola é quase que exclusiva de vinhos tintos, onde
prevalece a cepa carbernet sauvignon.
Mais um conceito importante: quase todos os vinhos da região
de Bordeaux são produzidos a partir de uma mistura de uvas (assemblage);
raramente são vinhos varietais, isto
é, produzidos de uma uva só, como ocorre na Argentina, Chile e Califórnia, dentre
outros.
Um pouco de história
Até o século XVII as terras do Médoc eram pantanosas e
impróprias à produção agrícola. Engenheiros holandeses foram contratados pela
nobreza de Bordeaux para drenar as terras às margens do rio, no intuito de melhorar
a qualidade das mesmas. A palavra Bordeaux significa à beira d’água, ou nas
bordas das águas (“au bord de l’eaux”).
A partir dos séculos XVII e XVIII a região de Bordeaux
começou a se despontar na produção de vinhos de qualidade, facilitada pela
proximidade do mediterrâneo e da navegabilidade do Gironde. Os ingleses eram os
principais consumidores do vinho local.
No final do século XIX as vinhas de Bordeaux foram
devastadas pela filoxera, um pequeno
inseto, mas uma grande praga! A região entrou em decadência. A partir do
controle da praga com enxertos das vinhas europeias em bacelos americanos,
décadas depois, a região voltou a crescer e o vinho a se aprimorar. Mas foi nas
últimas décadas que a região e a cidade de Bordeaux evoluíram ainda mais. O que já era bom ficou ainda melhor!
Bordeaux é a principal e a maior região vinícola do mundo.
Veja os números: mais de 900 mil hectares de vinhedos; mais de 7.0 bilhões de
garrafas; mais de 8.0 mil châteaux e mais de 13 mil produtores. Os números são
realmente impressionantes! Mas tenho uma má notícia: a maior parte dos vinhos
produzidos lá tem baixa qualidade. Portanto é preciso entender um pouco sobre a
região para selecionar os bons vinhos, caso contrário, pagarás gato por lebre!
MJR
** em breve a Parte II, até lá.
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